A Liberdade, a Justiça, a Democracia? Não. Laura Cattani em Autochoque. Foto: sempre Safi.
Ao final desta temporada de Autochoque, torna-se explícita a força paradoxal que constrói este espetáculo, autodefinido como uma trilha sonora para acidentes (“acidente” aqui deve ser entendido no seu espectro mais amplo. Isto é, o que é casual, fortuito, imprevisto). Ele se estrutura através de forças contrárias e em um certo gosto pelas improbabilidades, sobre este curioso mundo em que casualmente vivemos (e que é assim construído em decorrência da produção serial de Henry Ford - tecnologia importada das armas Colt), sobre perdas, mas também sobre o fato de que qualquer comportamento humano, isolado de seu contexto, torna-se esquisito e engraçado. A total ausência de uma mensagem clara e verdades a serem compartilhadas torna Autochoque assustador, banal, angustiante, engraçado e político (uma política estética é diferente de uma institucional, é antes uma concepção de mundo compartilhada). Reconhecemos que um musical sobre acidentes em que o foco está em uma certa beleza mecânica da energia cinética de um carro destruído, sobre a sofisticação de nosso corpo assimilando os impactos e sobre ironia (ironia aqui entendida como a multiplicidade de visões sobre um fato) não tem como seguir uma lógica cartesiana e, como previsto, Autochoque constrói a sua própria moralidade. A Ío organiza seus trabalhos de uma maneira em que forças antagônicas estejam sempre em conflito, próximas de desabarem. Nossos objetivos estéticos se dão nesta tensão improvável. Tão improvável quanto usar acidentes automobilísticos como tema de um musical ou usar um prédio como um instrumento sonoro.
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